quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

"Que sentimento?"



Foto: Catarina Krug


O dia na redação foi apertado e o trânsito também não ajudou. O compromisso estava marcado para às nove. Ela sabia que não ia dar tempo. Tentou ligar, mas o celular não completava ligação. Chegou às dez. Em cima da mesa o papel dizia “reservado”. O garçom ofereceu ajuda, mas a resposta foi de se esperar “saiu faz dez minutos”. Não se perdoou. Sentou-se à mesa, pediu uma água. Respirou fundo. Pagou a conta e decidiu ir pra casa.


Morava no 21°andar. Ao entrar tirou o sapato e soltou o cabelo. Foi ao aquário falar com João e Maria, seus peixes. Preferia cachorro, mas não tinha tempo para se dedicar a um. A desculpa do espaço não servia mais, já que esse apartamento era bem maior que o outro. Deixou a chave em cima da mesa de cristal e sem querer quase derruba o vaso de flores artificiais que também estava em cima da mesa. “Por quanto tempo ele esperou?”. Foi até a geladeira, pegou um copo de leite. Percebeu que tinha muita comida delivery fora da validade, jogou tudo fora e descalça levou o lixo pra fora. O corredor estava silencioso, ouviu um barulho. Sorriu. Pensou que poderia ser ele, mas não era...


Entrou, trancou a porta e colocou a chave no mesmo lugar. Decidiu tomar uma ducha pra relaxar. Passou pelo corredor e entrou no quarto. Tudo estava em ordem, ninguém poderia suspeitar que ali vivia alguém a beira de um colapso. Tirou a roupa e por um instante se olhou no espelho. Continuava bonita aos seus 35 anos de idade.


Colocou o cd “Be here now” do Oasis e entrou no banho. Deixou que a água quente corresse livremente pelo seu corpo. Sentia-se bem. De repente, o som passa a entoar “stand by me”. Apoiou as mãos na parede. Respirou fundo. Tentou, mas não conseguiu evitar as lágrimas. Chorava compulsivamente, como quando era criança para que ninguém a visse. Um choro doído, silencioso. Ficou ali por quase uma hora. Recompôs-se. Saiu do banho, escovou os dentes, trocou de roupa e decidiu que àquele sentimento não valia a pena.


De volta ao quarto, deitou-se na cama. Pegou o celular. Nenhuma mensagem. Tentou ligar, mas o celular estava fora de área. Levantou, seguiu até a poltrona que ficava encostada na janela. A meia luz do abajur dava um ar meio melancólico àquele quarto que já tinha sido palco de noites de amor inimagináveis. Olhou ao redor. Na estante, um retrato da mãe, fazia tempos que não à via. O cd já estava repetindo as músicas. Próximo ao retrato da mãe, uma foto deles dois. Sentiu saudades, mas ao mesmo tempo impotência. Apoiou a mão no rosto e deixou que a noite se encarregasse de lidar com aquele sentimento de arrependimento.

Catarina Barbosa

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