quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Foto: Rui Pires


Encontrei no armário textos antigos, cartas de um amor escondido.
Fazia tempo que eu não sentia o meu coração pulsar tão forte dentro de mim, a ponto de me enlouquecer por instantes.
Vivemos um romance repleto de desentendimentos, e de acusações, ofertei tudo de mim e você nem ligou.
Eu fui embora e deixei você acreditar que a minha decisão era a correta.
Deixei você se encontrar fora de mim.
Deixei você.
Por vezes falei em mudanças, e eu deixei você mudar.
O tempo passou arrastando, além dos aniversários, as minhas mentiras, e as noites eram seguidas de lágrimas e as manhãs de desespero.
Deixei você amar outras mulheres.
Deixei você esquecer-se de mim.
Por vezes pensei em te procurar pra te dizer que a vida estava perdendo o sentido, e que os meus passos precisavam dos teus.
Mas optei pelo orgulho, e preferi seguir sozinha.
Eu sei que nunca me perdoarias pela minha estupidez e por essas minhas omissões.
Foi quando me dei conta que o seu casamento estava marcado, e que além do seu casamento estava planejado o meu também, eu senti raiva de mim.
Nos primeiros trinta anos sem você, passei dias inteiros de recaída nos quais eu compartilhava com as mesmas folhas antigas que usava pra te escrever, e no final de tudo isso, além de raiva, sentia vergonha de mim.
Meus filhos, sobrinhos e alguns netos diziam em qualquer comemoração de família que me tinham como exemplo de mulher que sabia como amar, e que sonhavam com um casamento igual ao meu.
O que falariam de mim se soubessem que o homem que eu amava não era aquele com o qual me casei?
Como consegui transparecer tão bem felicidade e certeza no meu rosto e nas minhas atitudes se dentro de mim só existiam mágoas?
Nos outros trinta anos, me forcei a acreditar que eu era feliz, e que você não me faltava.
Hoje, passados sessenta anos, sessenta! Eu ainda te amo, ainda te preciso, não com toda aquela urgência, nem com tanta intensidade.
As marcas em meu rosto e essa expressão de solidão, embora nunca tenha permanecido sozinha, me consomem, me ardem e me ferem.
Ao longo desses contados e lentos sessenta anos o meu sono desaparecia e a agonia surgia todo final de noite. Era estranho observar ao meu lado um alguém que não era você.
Eu chorava de saudade e por sentir pena de mim, a minha vida estava chegando ao fim, e eu vivi uma realidade da qual nunca quis fazer parte, durante tanto tempo, e
u enganei outro amor.
É. Eu deixei você seguir.
Deixei você partir.
Eu não fiz nada, eu omiti.
Meu Deus, por que permiti?


Tylla Lima

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

"Que sentimento?"



Foto: Catarina Krug


O dia na redação foi apertado e o trânsito também não ajudou. O compromisso estava marcado para às nove. Ela sabia que não ia dar tempo. Tentou ligar, mas o celular não completava ligação. Chegou às dez. Em cima da mesa o papel dizia “reservado”. O garçom ofereceu ajuda, mas a resposta foi de se esperar “saiu faz dez minutos”. Não se perdoou. Sentou-se à mesa, pediu uma água. Respirou fundo. Pagou a conta e decidiu ir pra casa.


Morava no 21°andar. Ao entrar tirou o sapato e soltou o cabelo. Foi ao aquário falar com João e Maria, seus peixes. Preferia cachorro, mas não tinha tempo para se dedicar a um. A desculpa do espaço não servia mais, já que esse apartamento era bem maior que o outro. Deixou a chave em cima da mesa de cristal e sem querer quase derruba o vaso de flores artificiais que também estava em cima da mesa. “Por quanto tempo ele esperou?”. Foi até a geladeira, pegou um copo de leite. Percebeu que tinha muita comida delivery fora da validade, jogou tudo fora e descalça levou o lixo pra fora. O corredor estava silencioso, ouviu um barulho. Sorriu. Pensou que poderia ser ele, mas não era...


Entrou, trancou a porta e colocou a chave no mesmo lugar. Decidiu tomar uma ducha pra relaxar. Passou pelo corredor e entrou no quarto. Tudo estava em ordem, ninguém poderia suspeitar que ali vivia alguém a beira de um colapso. Tirou a roupa e por um instante se olhou no espelho. Continuava bonita aos seus 35 anos de idade.


Colocou o cd “Be here now” do Oasis e entrou no banho. Deixou que a água quente corresse livremente pelo seu corpo. Sentia-se bem. De repente, o som passa a entoar “stand by me”. Apoiou as mãos na parede. Respirou fundo. Tentou, mas não conseguiu evitar as lágrimas. Chorava compulsivamente, como quando era criança para que ninguém a visse. Um choro doído, silencioso. Ficou ali por quase uma hora. Recompôs-se. Saiu do banho, escovou os dentes, trocou de roupa e decidiu que àquele sentimento não valia a pena.


De volta ao quarto, deitou-se na cama. Pegou o celular. Nenhuma mensagem. Tentou ligar, mas o celular estava fora de área. Levantou, seguiu até a poltrona que ficava encostada na janela. A meia luz do abajur dava um ar meio melancólico àquele quarto que já tinha sido palco de noites de amor inimagináveis. Olhou ao redor. Na estante, um retrato da mãe, fazia tempos que não à via. O cd já estava repetindo as músicas. Próximo ao retrato da mãe, uma foto deles dois. Sentiu saudades, mas ao mesmo tempo impotência. Apoiou a mão no rosto e deixou que a noite se encarregasse de lidar com aquele sentimento de arrependimento.

Catarina Barbosa

"Minha fé..."


Foto: Heliz

"Numa tarde de sol, lá vai ela... todo mundo diz: “não vais conseguir”. Entretanto, ela não liga e segue... Sabe que seu caminho é árduo e apesar de sua aparência indicar uma pessoa “frágil” e sempre ter ouvido que o mundo é dos fortes, não se importa, olha pra frente e segue com a esperança de vencer quaisquer dificuldades que se puserem em seu caminho. Ela sempre olha com atenção à todos a sua volta e sabe que daria a vida por certas pessoas... sabe também que provavelmente essas pessoas não sabem disso...

No meio do caminho, sem querer olho para ela e percebo que ela não está bem...mas, vejo em seu olhar a esperança de quem sabe que tudo vai se resolver...e sem eu perguntar, ela sorri e me diz: “ só quero paz, pra essa vida confusa que ando levando”, e eu devolvo o sorriso e digo que vai ficar tudo bem...pois sei que assim como qualquer outra pessoa ela merece ser feliz...
Entreolhadas, continuamos a caminhada, pergunto como ela consegue manter o sorriso mesmo estando triste e sorridente, ela diz: ”felicidade atrai felicidade” e mais uma vez continuamos, dessa vez de mãos dadas...entretanto, eu sei que ela chora, chora até por coisas que pra mim não fazem o menor sentido e tem um estranho costume de se colocar no lugar dos outros, não apenas se coloca, mas também sente a dor dos outros, se doa demais e essa doação a prejudica e eu digo à ela, para parar com isso. Contudo, ela não me dá ouvidos... e simpática, argumenta que se sente bem ao ver a felicidade dos outros...Sei, que ela guarda segredos profundos até de si mesma, que queria que as coisas fossem diferentes, que tem força pra mudar, mas agora está perdida e eu não a abandonarei, ficarei ao seu lado, pois sou sua melhor amiga.

Uns dizem que é bondosa demais, outros a chamam de covarde e ela tenta ouvir a todos, mas sempre faz o que acha melhor pra si...
Sei que é contida, que respirar fundo antes de falar, tudo isso, porque é impulsiva...e até ela admite isso e assim com qualquer pessoa, erra e andou errando em demasia nos últimos tempos, mas ainda não entendeu que é humana...e também não sabe dizer “não”, além de se cobrar demais por tudo e no fim, sofre com isso...e eu sei que sempre estarei ao lado dela, pois sou sua amiga.

Cansadas, resolvemos parar um pouco, olho pra ela, ela olha pra mim...e envolvidas por aquele dia ensolarado me vejo agarrada com a minha fé."


Catarina Barbosa

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Embora eu realmente já saiba que o meu romantismo antigo perdeu a voz e não grita mais, eu ainda o cultivo dentro de mim e agora eu sei bem que ali mesmo é que é o seu lugar, escondido, protegido e calado.
Por muito tempo levantei minha voz contra todos os sentimentos, deixava sempre bem claro para quem se pusesse a me ouvir, que era apenas com amor e acima de tudo por amor que a gente poderia conhecer o sucesso e a felicidade.
Vieram muitas críticas, tentaram com todas as armas me ameaçar, armas que disparavam palavras duras, olhares confusos e atitudes impensadas, talvez, queriam mesmo fazer com que eu acreditasse que o meu modo de viver já estava antiquado e eu precisava urgentemente avançar.
Relutei de início, mas resolvi mudar. Troquei a emoção pela razão, o vermelho pelo cinza, os textos, as letras e aquelas melodias também. Mudei não por crise de identidade, mudei porque percebi que o mundo inteiro não acreditava mais no amor, alguns até não sabiam nem de sua existência, mudei porque hoje eu sei que não preciso mais contar às pessoas o que eu penso, como eu ajo, como eu vou agir, mudei sim, mudei por fora, sou aço, pode falar o que quiser, pode vir e se preferir ir embora, siga. Pode pisar no meu calo eu viro bicho na hora, mas depois fica tudo bem. Mudei porque eu quero observar resultados.
Quero estar bem viva quando surgirem as campanhas mundiais fazendo apelo ao amor "Ame o desconhecido, ame os seus pais, seus irmãos, seus verdadeiros amigos, apenas ame. Aprenda amar: por um mundo mais feliz".
Quero poder fazer do meu romantismo antigo o meu remédio futuro que me cure de todo o caos.
Quero poder assistir à procissão do fim do mundo nos jornais televisivos, de camarote da minha janela e ter a certeza no coração de que esse é o futuro que esse povo mereceu.
Quero poder assistir à destruição, com uma paz eterna dentro de mim.


Tylla Lima

domingo, 24 de fevereiro de 2008


O que eu deixo é o meu amor antigo, restos de uma paixão ferida. E ainda assim eu vivo.
Deixo os teus lençóis, eu deixo tudo teu e não quero mais a minha metade dos fatos.
Eu hoje não desistiria nunca de lutar se pelo menos a tua voz também gritasse junto a minha. Mas, te calaste. Errou quem acreditou que eu viveria no chão por aí, errou quem apostou que eu viveria de pedidos de "com licença" para poder caminhar. Nem tudo permanece colorido, e ainda assim eu acredito em sorte.
Foi um turbilhão de sentimentos indecifráveis. Parti do zero e regredi. Eu te tive e te perdi por ter dado ouvidos a eles, estes que gritavam dentro de mim para que eu te deixasse.
Esse casamento precisou de tantos aparatos para se tornar normal, e eu nunca acreditei em reparos. O bom dia era decorado, a tarde demorava para passar e quando a noite ameaçava chegar o cansaço surgia junto. Os anos alteraram a minha paciência, e foi ficando complicado conviver assim.
Eu te evitei, te quis longe de mim, e teus toques me faziam sentir saudades da minha casa, da vida que eu levava antes.
Construímos nossa casa, nossa família. O meu sorriso era falso e o teu abraço me sufocava, eu ainda queria conhecer o outro lado que o casamento me escondeu. E nunca houve desistência, mesmo que ideológica, de tua parte.
Nasceram anos depois os nossos gêmeos, e pra completar eram cópias tuas, físicas e psicológicas. E ainda assim eu duvidava. Mesmo com tudo na linha, eu desisti.
Quem insistiu nessa derrota e quem deu ouvidos a alheios foi eu apenas. Os anos se passaram e eu deixei mais dois de você em casa.
Quis viver o que eu não sabia mais, o que eu não queria mais, e descubri isso tarde demais.
Pela primeira vez te amei, ou quem sabe já te amava durante aqueles nove anos de casados e eu nunca tinha olhado por dentro de mim.
Se te menti foi sem saber, mas agora eu sabia que eu te amava, e sabia o que queria. Arrumei minhas malas e voltei para casa. Eu sei que os nossos filhos e você nunca irão me perdoar pelo abandono temporário, e pela presença fundamental de uma mãe e de uma esposa que eu apaguei.
Tudo o que eu mais queria agora era reverter tudo isso, e te mostrar que aquela capa de durona me enganou também. Agora é tarde demais, você partiu, sem presenciar os frutos que plantaste dentro de mim e que agora estariam prontos para serem colhidos.
O que eu deixo é o meu amor antigo, restos de uma paixão ferida. E ainda assim eu vivo...


Tylla Lima
Foto: Pedro Moreira
Foto: Rafaela Mendes

Uma palavra que ficou na garganta, uma atitude amarrada pelo medo, um passo que não foi dado. Tarde nublada, chuva molhando a rua, as plantas, a casa, tudo o que ela conseguia alcançar.

De certa forma o frio a fez pensar que a tempestade inundou aquele lugar. Ela olhava pela janela, o pensamento distante, as mãos encolhidas, o semblante de quem prefere a morte àquele sentimento. As lembranças do passado atormentavam o sono daquela que um dia sorriu sem pudor. Tudo por causa de algo que ela nem sabe o que é. Mas o arrependimento se encarregou de transformar dor em pranto, tristeza em depressão. Os dias dela se arrastam devagar, a cabeça baixa, o olhar triste, a hora que não passa, a música que sempre toca. Tecnologia avançada demais para o que ela achava ter sentimento de menos. Talvez ela não soubesse que quantidade é relativo, o que é muito pra uns é pouco pra outros.
Sentada em frente à janela ela percebe que o céu ainda está nublado, a chuva continua caindo, mas ao fundo vê uma claridade, seus olhos brilham. Ela sente o pulmão encher de ar. Será que a tempestade vai passar?


Catarina Barbosa

sábado, 23 de fevereiro de 2008

A rima das palavras, o perfume da flor, a vida em poesia. Duas meninas, futuras mulheres, uma vida, uma amizade eterna. Muitos pensamentos, anseios, angústias, declarações de amor, saudades, conquistas, derrotas e vitórias, alegrias e tristezas, felicidades, amores, amizades, paixões, segredos, críticas e planos. Duas vidas que estavam destinadas a se cruzar. As duas fazem Jornalismo na Unama, passaram para a mesma turma no curso de Letras na Universidade Federal do Pará, têm muitos amigos em comum, são incrivelmente parecidas, têm as mesmas atitudes, pensam as mesmas coisas, só o gosto musical que difere um pouco, mas nada que cause problemas. Se conhecer uma a outra dependia da ação do tempo, ele se encarregou de fazer isso muito bem. A partir do momento em que elas se encontraram, o que deveria ser apenas um contato de "amigas de sala", tornou-se necessidade diária.
A vontade de escrever domina essas duas meninas que encontraram neste espaço mais um meio de divulgar não apenas suas idéias, mas suas histórias de vida.


Catarina Barbosa


Características em comum e histórias repartidas, para que essa amizade surgisse e se solidificasse precisou de ingredientes fundamentais que ainda bem, tínhamos em mãos: companheirismo, sinceridade, e uma paixão de ambas as partes pelas letras, frases, sentidos, cores, sons e sonhos.
Em pouco tempo as minhas escolhas em qualquer aspecto da minha vida já precisavam da opinião da Catarina e a amizade dela se tornou fundamental para mim. Demoramos um tempo para encontrar um espaço onde pudéssemos armazenar nossas idéias. E por colecionarmos nossos fatos na memória ou por escrito, mas em arquivos de acesso particular, é por meio desse blog que reuniremos alguns de nossos textos, críticas, opiniões sobre assuntos que consideramos interessantes e questionáveis.
Eu espero que sejam positivas as conseqüências que sofreremos no que diz respeito a criação deste blog.



Tylla Lima