Foto: Marques Tavares Carlos
Um pouco de dor de cabeça pela noite mal dormida, a boca seca, conseqüência das alimentações fora de horário e um imenso enjôo. A vontade de ficar na cama é grande, mas não adianta, tem que levantar. Espreguicei-me sem abrir os olhos e peguei meu óculos na cabeceira da cama. Quando olhei em volta vi minhas coisas todas fora do lugar. Achei estranho. Não lembro de ter feito aquela bagunça. Esfreguei novamente os olhos com força para ter certeza que não era um sonho. O local me era familiar, algumas fotos espalhadas, um pouco de brigadeiro em um prato e uns cd’s dos Beatles espalhados pelo chão... Estanho muita coisa ali não parecia ser minha... Roupas e sapatos de grife, equipamentos eletrônicos que eu nem sei pra que servia e um enorme convite de festa que preferi não olhar, justamente para não me sentir mal por faltá-lo.
Perto da minha cama, uma garrafa de uísque – estranho, não bebo uísque – a mais alguns passos uma imensa caixa com o meu nome. Sentei no chão, abri a caixa e dentro dela vários papéis datados de 1997, 1996, 1984 pensei que poderia ser documentos de algum cliente ou mesmo informações para produzir uma matéria. Mas não. Era um dossiê sobre a minha vida. A pasta de 1997 trazia com detalhes o que eu havia feito durante aquele ano. Assustei-me, esfreguei os olhos novamente – dessa vez com vontade de que aquilo realmente fosse um sonho – nada mudou. Folheei os papéis e nada faltava do contrário lembrava-me de certas coisas que haviam acontecido que eu por algum motivo fiz questão de esquecer. “Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto”, pensei. Tirei tudo da caixa e espalhei pelo chão, fui até a cozinha pegar um antiácido, meu estômago estava doendo muito.
Ao entrar na cozinha, revirei a gaveta de remédio – sim, sou hipocondríaca – peguei o remédio, um copo com água e voltei para a sala. Na volta para o cômodo, um papel pregado na parede do corredor dizia: “confesse”. “Mas o que é isso? Tem algum maníaco na minha casa?” Arranquei o papel com força e olhei a letra cuidadosamente, nunca vi aquela letra na minha vida. Ao entrar na sala, a caixa e os papéis que havia espalhado pelo chão sumiram. “Como assim? Estavam aqui a menos de cinco minutos”. Olhei em volta, os lírios em cima da mesa estavam mortos – eu amo essa flor, pena que morreu. O vento entrava com força no apartamento, as cortinas balançavam com um ar de desespero, como se dissessem “Corre. Esse lugar não é seguro”. Mas aquele clima de suspense mesclado com terror me deixava imóvel.
O dia – pelo que via entre as cortinas - estava nublado e mesmo assim ventava. Dei um passo pra trás e tropecei na caixa. Não agüentei, sentei no sofá, coloquei a mão na cabeça e pedi pra acordar daquele pesadelo. “isso tem que ser um pesadelo”, desejei.Passaram cerca de 10 minutos e nada mudou, a caixa continuava ali, com informações de toda a minha vida a disposição de quem quisesse saber. A dor no estômago persistia e a de cabeça aumentava. O local ainda era familiar - sabia que era minha casa, minha vida - mas e o que não reconhecia? O material prevalece, meu corpo padece. O que se deve fazer quando se tem toda a sua vida a sua frente?
Catarina Barbosa