segunda-feira, 3 de março de 2008


Sete da manhã e você se jogava em cima de mim, me abraçava muito forte, e baixinho eu ouvia o já esperado, acorda papai!
O seu olhar de quem queria carinho me cercava toda manhã, e de repente minha cabeça se desligava daquele quarto e me pegava pensando nas contas que eu teria que pagar durante o dia, no meu chefe que se alimentava de gritos, nas filas e clientes insuportáveis daquele escritório, e pronto! Esses eram os motivos clássicos pra você ter que ficar calada e se retirar do quarto, incrível como eu não precisava te relembrar, as expressões em meu rosto eram os sinais de que você precisava se retirar antes que eu me irritasse.
Nos finais de semana você invadia o quarto um pouco mais tarde, às nove, me acordava com abraços e dizia que queria nadar.
Nadar era uma boa, mas o celular não iria me deixar em paz, e eu precisava resolver tudo com urgência, então você ia com a babá, mas me ligava incontáveis vezes para me lembrar que eu era o seu pai querido e que você me amava muito.
A minha vontade era ficar horas com você na piscina, ou até mesmo no celular durante as suas ligações, mas logo apitava outra ligação, era o meu chefe e lá vinha mais trabalho.
Os dias passavam lentamente e "amanhã" sempre era a palavra da vez, portanto, amanhã eu teria que dá um jeito nisso. Sua mãe me alertava desse meu descaso, e eu sempre prometia mudanças a ela, a você, a mim.
Foi quando me dei conta de que eu precisava do seu abraço quentinho e do seu sorriso inocente. Larguei tudo no trabalho, e lá estava o meu chefe gritando para que eu ficasse, pensei rápido e me demiti. Vi que você era muito mais importante pra mim.
O trânsito estava péssimo devido a chuva que caía, fechei os meus olhos e chorei. Sentia saudade de você, e uma sensação estranha que me fazia querer chegar logo em casa.
Uma luz muito forte quase me cegou, ouvi um barulho muito alto, e por instantes senti meu corpo flutuar. Um acidente.
Saí do carro pra vê o que tinha acontecido, uma enorme bola de gente se fez alí, eu fui me enfiando entre as pessoas pra saber o que era, e cada vez mais rápido, e cada vez mais assustado. Ninguém me escutava, e mesmo assim eu ia entrando, e de repente me vi jogado no chão, com sangue por todo o meu corpo.
O que eu estava fazendo naquele chão? Por que conseguia me enxergar?
Como Deus?
Por que agora?
Tarde demais.
Tarde demais pra eu te dar um abraço bem forte.
Tarde demais pra te pedir desculpas pela minha ausência, pra te dizer que o papai não iria mais trabalhar naquele local que me afastou de você.
Tarde demais pra dizer que você era o motivo mais bonito que me fazia viver.
Tarde demais para tantos reparos agora sem chances de acontecer.
Tarde demais pra planejar o seu futuro e acompanhar o seu crescimento.
Eu queria que você soubesse que o papai te ama muito e que irá rezar eternamente por você.
Me perdoa, filhinha.


Tylla Lima
Foto: Filipe Santos